Entrevista com Marina Silva no Jornal O Globo dia 09 de outubro.
Com o apoio disputado pelos ex-adversários, Marina Silva vive no mesmo ritmo frenético da campanha. A terceira colocada na disputa presidencial não revela seus planos para o futuro, mas diz que o PV precisa aproveitar sua votação para crescer com qualidade. Ela falou ao GLOBO nesta sexta-feira de manhã, no seu quase desativado comitê de campanha, em Vila Madalena, na Zona Oeste de São Paulo. Além dela, só cinco assessores estavam no local. Marina disse ter confiança que o partido não descambará para o fisiologismo na negociação com petistas e tucanos. Ao deixar o comitê, teve que lidar com o assédio dos eleitores. Os carros que passavam na rua buzinavam e os pedestres faziam questão de cumprimentá-la.
O que levou a senhora a ter essa votação?
MARINA SILVA: Vejo pelo reencantamento das pessoas com a política.
O que causou esse encantamento?
MARINA: É um trabalho coletivo espalhado pelo Brasil. E a síntese do que fizemos, tanto em termos de plataforma quanto de postura, fez com que fosse produzido algo novo no Brasil que não tinha espaço de conexão dentro dos partidos, nem dos partidos convencionais nem dos partidos de esquerda. E o PV possibilitou isso porque se colocou como um dos parceiros, e não como o agente isolado do processo. O que mobilizou as pessoas faz com que elas estejam conectadas até agora. Nesta quinta-feira, eu estava aqui (no comitê); na frente e na saída, começaram a parar os carros no meio da rua e as pessoas dizendo o que eu deveria fazer.
O que elas dizem?
MARINA: A maioria dizia que eu não deveria apoiar nem uma candidatura nem outra.
Como vê o futuro?
MARINA: Não podemos ter ilusão de que o que fizemos é algo já dado. É um investimento a ser trabalhado com muita sabedoria, pelo Brasil, por todos nós. Não há democracia se não tiver uma terceira via.
Há uma grande preocupação desses 20 milhões de eleitores com o seu futuro...
MARINA: Na visão patrimonialista da política e dos votos, da velha política, quem tem um referencial como esse, de 20 milhões de votos, estaria muito ansioso e já dizendo: para onde os eleitores devem ir, me sigam. E o movimento inverso, as pessoas se mobilizando e tentando sugerir para onde eu devo ir.
Mas e depois da eleição?
MARINA: Obviamente que vou voltar para minha militância social e partidária. Agora sem mandato. A diferença é essa. Vou continuar sendo uma pessoa que vai militar dentro do partido como uma filiada que tem respaldo. Vou continuar apostando numa nova visão de prosseguimento da política, que passa pelos esforços da reforma política e tantos outros.
Como vê o futuro do PV?
MARINA: O PV não é um partido de massas, nem tem que ter a pretensão de sê-lo. Vai crescer e espero que possa crescer qualitativamente.
Há quem defenda que a senhora assuma a presidência do PV.
MARINA: Sou uma mulher de processo e acredito nos processos horizontais. Não acredito no indivíduo que faz as coisas para as pessoas. Acredito em quem se dispõe a fazer com as pessoas.
Por que a bancada de deputados do PV não cresceu na proporção da sua candidatura?
MARINA: É uma análise que tem que ser feita. A campanha teve aspectos em que nem
todas as candidaturas tinham a perspetiva de se colar tão diretamente na minha
candidatura.
E a fala da senhora, na reunião com aliados, quarta-feira, sobre a possibilidade de o PV seguir um caminho fisiológico?
MARINA: Fiz uma crítica severa a uma sinalização de cargos (com o PSDB) e de uma relação (de uma aproximação com o PT) através de amizades. Disse que não deveria ser isso que deveria pautar a discussão. E que nós do PV não íamos nos apequenar nessa lógica. Foi um versão que foi dada fora do contexto.
O PV participa do governo Lula e do governo Serra. Esse histórico não compromete?
MARINA: O importante é que a participação e a formação de base tenham que ser em
cima de uma questão programática. Não tem problema a composição.
A participação atual do PV em governos é baseada nisso?
MARINA: Não participei dos processo anteriores. Não tenho dúvida de que, no PV, as pessoas que estão conduzindo essa discussão fizeram claramente uma opção por uma discussão programática.
Mas está tranquila que as pessoas do PV vão levar essa discussão por esse caminho?
MARINA: Foi isso que foi anunciado pelo presidente, pelos principais dirigentes do PV. É em cima disso que estou trabalhando.
A senhora disse na campanha que Dilma e Serra são iguais, com uma visão desenvolvimentista. Se apoiar um deles, como explicar isso?
MARINA: Eu reitero que os dois têm um perfil gerencial, a visão
desenvolvimentista, crescimentista. Agora, têm a chance de fazer uma leitura do
que foi sinalizado pelas urnas.
Como vê o flerte desses candidatos com a causa ambiental?
MARINA: Que bom que as duas candidaturas estão olhando para esse tema que não havia sido olhado por elas. Obviamente, não é uma questão apenas declaratória. Não pode ser.
Como podem mostrar que não estão sendo oportunistas?
MARINA: Mais do que ser orientado por marqueteiros, temos que ser orientados por
valores.
A campanha segue com o vale-tudo eleitoral?
MARINA: Temos um prenúncio, mas estamos no começo.
A senhora disse que, ao decidir quem apoiar, vai levar em consideração os eleitores. Nas ruas e nas reuniões, eles têm defendido a neutralidade.
MARINA: Vou firmar minha convicção interior baseada naquilo que ache que possa
ser o melhor. Tem aqui um pequeno começo.
Mas já há um caminho que a senhora vislumbra?
MARINA: O que preciso é ver a maneira de caminhar.