sábado, 15 de agosto de 2009

Reflexões de agosto

Alfredo Sirkis - Jornal do Brasil - 9/8/2009

Agosto deverá trazer o desfecho dessa mini-crise envolvendo o presidente do Senado e ex-presidente da república, José Sarney, o último dos dinossauros, a "bola da vez" desse jogo de soma zero.

Agosto é o mês nas crises na história do Brasil. Deverá ser também o do desfecho dessa mini-crise envolvendo o presidente do Senado e ex-presidente da república, José Sarney, o último dos dinossauros da política brasileira de sua geração. Qual foi exatamente o crime que ele cometeu? Já foram tantas notícias de jornais, tantas reportagens de TV, tantos comentários vituperantes, que me escapa essa informação, quem sabe, desimportante. Ficou comprovado, ou mesmo fortemente, demonstrado que ele cometeu crime? Até onde me permite a leitura enfadada e, por vezes na diagonal, das tantas matérias sobre o assunto, não consigo, como a maioria dos leitores, concluí-lo de fato. Mas, como eles, também, acho tudo isso “uma vergonha”.
O velho senador é apenas o mais recente alvo daquele fenômeno político-midiático que já me referi, em artigo anterior, como similar à infantil dança das cadeiras: a música para, as cadeiras são ocupadas, alguém fica com as nádegas em riste, vira o Judas da vez, o bom e velho bode expiatório. Sem dúvida, praticou o clientelismo em mega-escala e nomeou pessoas próximas, parentes e contra parentes e correligionários para alguns dos muitos “espaços” que controlava nas mais diferentes esferas de poder ao longo de tantos e tantos anos. Na sua fase senatorial, o agravante parece ter sido utilizar o inaceitável expediente dos atos secretos, não publicados no DO e, ter desmentido práticas que de fato praticou, se entendi bem o noticiário. Isso o torna um alvo oportuno nas circunstâncias políticas em que a música parou. É a “bola da vez”, o símbolo do momento dessas práticas que estão na essência da política brasileira, tal qual ela é.
Como “bola da vez” tudo contra ele é permitido. A divulgação de fragmentos de grampos telefônicos --prática completamente ilegal-- de conversas entre seus familiares virou prato diário. Dezenas de histórias são levantadas e nenhuma esclarecida, nem que seja jornalisticamente, até o final. A presunção de culpa é absoluta e envolve todos a sua volta. Não mais o ex-genro, notoriamente envolvido em situações mil, nos anos 90, que, curiosamente, pouco aparece agora. É a vez do filho empresário, contra o qual há indícios mas, não parece haver ainda provas cabais. E, agora, tentam arrastar para o meio do abatedouro o filho deputado federal, verde, que na convivência que tive com ele, de já quase uma década, sempre me pareceu e parece correto e cauteloso além de extremamente sério e dedicado em sua ação parlamentar e ambientalista. A ele tentam arrastar, junto, divulgando, como o fizeram dois órgãos de imprensa paulistas, um fragmento de grampo que nada prova, nada esclarece e, que ninguém sabe direito a que se refere.
Nenhum dos jornalistas ou policiais envolvido nessa atividade ilegal sobreviveria a um tratamento desse tipo aplicado a sua própria vida pessoal. A comunicação telefônica tratada com semelhante descaso, ilegalidade policial e má fé jornalística, virou uma prática banal e faz a delícia e as fortunas de uma enorme rede de arapongas que maneja o mercado de gravações, facilmente “editáveis”, que tornam-se prova definitiva do tribunal da mídia. Isso, paradoxalmente, compromete a eventual utilização de interceptações legítimas em processos judiciais criteriosos e levados até o fim.
No final das contas, nada disso vai dar em nada, afora os seus eventuais efeitos políticos. Teremos a renúncia de um velho senador ao seu posto, ou sua manutenção por pressão do presidente Lula ao qual interessa politicamente mantê-lo na presidência do Senado. O saldo de tudo será de soma zero, pois essa mais recente paradinha da dança das cadeiras nada mais é do que o milionésimo reflexo da política que temos: clientelismo, patrimonialismo, fisiologismo, política entendida como carreira profissional e não como representação. Na origem está o sistema eleitoral brasileiro, do “voto jabuticaba”, o voto proporcional personalizado, que engendra campanhas caras, centros assistenciais, compra de voto, profusão de cargos comissionados, como botim eleitoral e moeda de barganha para a governabilidade. Um jogo moto contínuo: tudo é recorrente, todos desempenham repetitivamente seu papel ad nauseam: os políticos denunciam até que são pilhados em alguma transgressão --verdadeira, falsa, exagerada, não exagerada, pouco importa-- os adversários se deliciam, a imprensa põe o circo para pegar fogo e ficamos todos indignados.
Mas, mexer no sistema eleitoral, adotar o voto proporcional por lista ou o distrital misto, promover institucionalmente um tipo de política mais programática, que prescinda de tantos cargos comissionados, de centros assistencias, de campanhas cada vez mais caras e da barganha individual e fisiológica para lograr a governabilidade, isso, quase ninguém --a começar pelas vestais da mídia-- topa. Então, gente, temos o que vemos. Temos o que, institucionalmente, merecemos.

Fonte: Partido Verde - Debates

Um comentário:

Anônimo disse...

nossa adorei o texto , e ao mesmo tempo é tão aplicado em outras esferas que qualquer semelhança com fatos, e pessoas públicas é mera coicidência, afinal tudo se repete.
parabens a quem teve a iniciativa de postar um otimo texto para se refletir muito

obrigado